sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"As despesas com pessoal, uma vez criadas, não podem ser reduzidas" - diz o governador de Minas. Então, por favor, devolva o nosso dinheiro!



"As despesas com pessoal, uma vez criadas, não podem ser reduzidas" - diz o governador de Minas. Então, por favor, devolva o nosso dinheiro!


Em entrevista dada a uma das rádios da cidade, o governador de Minas reclamou da crise, disse que ela atinge toda a Europa e que acaba respingando também em Minas Gerais. Imagina! E eu que pensei que Minas estivesse imune a qualquer coisa! Como cidadão mineiro que sou, de carteirinha e tudo mais, cansei de ver e ouvir pelas TVs e rádios e jornais que Minas, sob a gestão do faraó e do afilhado, transformara-se na primeira maravilha do mundo. Minas cresce mais do que a China - diziam; que aqui tem tutu para todo gosto e lugar; que aqui tudo é melhor e mais bonito do que o resto do mundo. Até as leis aqui são diferentes - e disto soubemos por experiência própria, claro.

Nós, os educadores, aprendemos na prática que a Lei de Greve aqui não funciona, que o Ministério Público é um órgão de assessoria do governo do estado; que a imprensa tem o papel de repercutir as ideias do governo, jamais criticá-lo; que o legislativo é uma casa homologativa da vontade absolutista do governo e do seu grupo, enfim, todas essas coisas, são típicas do tempero político mineiro, embora não sejam uma exclusividade.

Contudo, que a crise mundial pudesse bater à nossa porta, ah, isso eu nunca imaginaria que tal coisa pudesse acontecer. Por isso, quando o todo poderoso governador do estado de Minas admitiu que Minas fosse atingida pela crise na Europa eu tomei um grande susto. Crise? Que crise, se aqui, até bem pouco tempo falava-se de superávit superando o déficit anterior; de crescimento acima do da China e de tutu esparramando-se para todo canto - menos, é claro, para o bolso dos educadores de Minas, que continuam comendo o pão que o diabo amassou e cuspiu em cima. Um diabo apelidado de satanasia.

Mas, para o meu espanto ainda maior, uma segunda revelação fora feita pelo governador das Gerais: foram feitas muitas despesas com os servidores públicos, maiores do que o crescimento da receita. Gozado, cá do meu canto, do outro lado, como ouvinte, e consultando meus contracheques, tive a impressão estranha de que alguma coisa estava errada. Então, quando o governador completou a frase, aí é que eu quase caí da cadeira. Vejam o que ele disse:

- As despesas com pessoal, uma vez criadas, não podem ser reduzidas". Gozado, pensei novamente que estava em outro estado, que não Minas Gerais. Os meus contracheques deste ano insistem em mostrar exatamente o oposto do que disse o governador: de janeiro a junho de 2011 minha remuneração total mensal era uma; a partir de julho houve uma sensível redução (ou seria garfada?). No meu e no de mais 153 mil educadores deste estado que parecia imune a crises e vendavais. Em janeiro deste ano, me lascaram um subsídio de R$ 1.320,00 - valor bruto - para ver se eu me contentava com isso nos próximos quatro anos de governo, abrindo mão do piso salarial, que é lei federal. Eu disse: não, eu quero é meu piso e pronto. Então, como castigo pela desobediência, em julho deste ano, o sr. Antonio Augusto Junho respondeu: devolve então o reajuste que lhe dei. Meu e de mais 153 mil educadores. E meu salário caiu para R$ 935,00 bruto. O básico? R$ 566 - menor, portanto, do que os tais R$ 712 do ajudante de pedreiro.

Mas, no discurso oficial, pronunciado numa rádio quase oficial - embora a simpática repórter mantivesse a postura de repórter não oficiosa -, o governador dissera com todas as letras: "uma vez criadas as despesas com o pessoal, não podem ser reduzidas". Dizem que ele foi professor de Direito. Será mesmo? Talvez tenha se lembrado de algum artigo constitucional, daquele, por exemplo, que trata do princípio da irredutibilidade salarial, pelo menos no seu formato nominal. Se eu recebo 1.000,00, eu não posso passar, seis meses depois, a receber 800,00. Mas, em Minas, pode. Minas tem leis próprias, embora, descobrimos agora, não está imune às crises internacionais.

O estranho é que essas crises só aparecem quando o assunto é reajuste salarial para os servidores, especialmente para os educadores. Para a polícia militar nem tanto. Basta que ameacem fazer greve, e no outro dia, sem lei federal nem nada, aparece uma proposta de 100% de reajuste até a Copa do Mundo de 2014. Não sei se eles estão satisfeitos, mas que pelo menos receberam propostas de reajustes, receberam. Educadores só recebem propostas de redução salarial. Vejam a tabela proposta pelo governo. Ah, vou aconselhar aos meus alunos e seus filhos para que na próxima encarnação, se nascerem em Minas, que venham para ser políticos profissionais, tipo deputado, senador, governador; ou, pelo menos, policiais militares. Mas, jamais, em hipótese alguma, queiram nascer professores. É fria! Em Minas, não dá.

E na sua desenvolta entrevista o governador faz nova revelação: teria gasto cerca de R$1,4 bilhão este ano para implantar o subsídio. Hummmm. Será mesmo? Bom, vamos às contas. O subsídio foi implantado compulsoriamente para os 380 mil educadores, entre aposentados e na ativa. Logo, os 1,4 bilhão de reais estão incluídos nos salários destes 380 mil educadores. De repente, mais que de repente, o governo de Minas dá uma garfada no bolso de 153 mil educadores que não quiseram permanecer no subsidio, em busca que estão (estamos) do sonho quase dourado de um piso que não encontra solo firme neste território à parte do planeta chamado Minas. Eu, pelo menos, vou perder, entre julho e dezembro deste ano, incluindo o 13º salário, cerca de R$ 2.600,00. Suponhamos que na média as perdas sejam um pouco menor, cerca de R$ 2.000,00 por pessoa. Logo, veremos que destes 1,4 bilhão de reais pelo menos R$ 300 milhões foram retirados dos nossos bolsos. Onde está este dinheiro? Ninguém sabe, ninguém viu ou ouviu dizer nada a respeito. Mas, com um pouco mais já daria até para bancar o prêmio de produtividade para todos os servidores da ativa do estado de Minas. Êta educadores generosos estes, que não se cansam de se entregar ao sacrifício geral da nação! E tome reposição, aula dia e noite, sem salário, sem auxílio transporte, nem auxílio moradia. O milagre mora em Minas.

Contudo, para a nossa estranheza, ouvimos o governador fazer uma outra revelação bombástica: não existe previsão de data para pagar o prêmio. Que coisa. Como fica a minha situação? Nem falo da minha situação financeira, que esta, como de resto, de todos os educadores-de-Minas, já se encontra há muito e cada vez mais de mal a pior. Mas, como eu fico com meus colegas de escola, que todo santo dia, impreterivelmente, me indagam, como se eu fosse o governador do estado: e o nosso prêmio, Euler, vai sair ou não vai? Ah, se dependesse de mim, sairia o 14º, o 15º, o 16º... Mas, de acordo com o governador, a crise internacional pode atrapalhar o nosso prêmio.

O estranho é que o governador foi buscar a crise de 2009 para se justificar. Muito estranho, não? Entre 2009 e o ano atual - 2011, para quem não sabe - existe um ano inteiro, batizado de 2010, segundo o calendário gregoriano, fincado entre estas duas datas. Em 2010, bem mais próximo de 2009 - ano da crise, segundo o governador - do que 2011, não houve problema algum. O prêmio foi pago em setembro, sem choro, sem crise e sem problema de arrecadação. Setembro, um pouco antes, portanto, de outubro. Mas, outubro? O que tem outubro a ver com esta estória? Ah, lembrei-me: outubro de 2010 era data de eleição. Que crise que nada, essas coisas não existiam por aqui, nas Minas do tutu sobrando, que cresce mais que a China. Crise? Em crise estamos nós, os educadores, sem dinheiro para pagar as nossas contas mais elementares, como água, luz, comida, telefone...

Oh, Minas! E assim ficamos nós, nesta terra sem palmeiras, com sabiás empolados e muitas aves que gorjeiam, mas dominada só por caô e pouco compromisso com os de baixo. Nós, os educadores, praticamente sem-salário, apesar dos repasses do FUNDEB, conferidos ano a ano, insistirem em mostrar que tem havido sucessivos aumentos de receitas. Mas, o nosso bolso continua vazio, com tantos cortes, confiscos e reduções salariais. Ora, um prêmio a mais ou a menos... O que queremos mesmo - queremos não, exigimos - é o nosso piso salarial implantado nas carreiras dos educadores. Com crise mundial ou sem crise, é lei, é direito assegurado, tem fonte própria, tem que pagar.

Querem discutir a crise mundial como argumento para sonegar o nosso piso? Tudo bem: aceitamos o debate, desde que outras despesas sejam colocadas na mesa de negociação. Vamos discutir a redução dos salários dos deputados, do governador, dos desembargadores, do procurador da justiça, as verbas da imprensa, os gastos com assessorias e terceirizados e empreiteiras, e banqueiros, e outros tipos mais. Discutir crise só pra cima de salário dos educadores? Aí não, né governador!

Mas, como a crise, dizem, produz saídas criativas, tenho uma solução definitiva para os governantes de Minas: durante a crise, já que ela está próxima de atingir o quase imune estado de Minas - e eu que pensei que estava totalmente protegido de coisas desse tipo! Como sou ingênuo! - que o governo do estado transfira para a União as despesas e as receitas do pessoal da Educação, para que a presidenta da República se vire e nos pague o piso, que é federal, e que Minas, em tempos de crise respingada da Europa, parece não estar dando conta de pagá-lo. Vocês ficam livres de nós; e nós ficamos livres de vocês. Uma troca justa, não acham?

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

Fonte: Blog do Euler
Postado por: Nelson Professor

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