sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Novela do Piso revela que os poderes constituídos na republiqueta chamada Brasil só funcionam em benefício dos de cima


Primeiro foi a Constituição de 1988, no seu artigo 206, que determinou ser necessário criar um piso salarial nacional como forma de valorização dos educadores, condição para que haja educação pública de qualidade para todos. Mas, como acontece com tudo aquilo que não é prioritário, os legisladores deixaram passar o tempo, até que fosse criada uma lei infraconstitucional, para regularizar este mandamento constitucional.

Foram necessários longos 20 anos para que essa lei fosse criada: a Lei 11.738, a Lei do Piso, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República. Mas, como investir em educação e na valorização dos educadores nunca foi uma real prioridade para nenhum governante deste país, assim que a lei do piso foi aprovada, cinco desgovernadores ingressaram com a ADI 4167 pedindo o fim desta lei - claro que não pediam exatamente isso, mas tais eram as mudanças que pediam que, se aceitas, representariam basicamente o fim daquela lei. Os ministros do STF, solícitos, imediatamente acataram o pedido liminar dos desgovernadores, e com isso a Lei do Piso ficou suspensa até abril de 2011. Já são 23 anos de espera!

Reparem que até aqui nós falamos de uma lei federal, baseada na Carta Magna, e que fora suspensa por decisão liminar dos ministros do STF. Os prejudicados? Claro, a parte mais fraca da história, os milhões de educadores, e de alunos também, que perdem com a desmotivação dos seus mestres. Os juízes, os promotores e os governantes só enxergam as razões do estado, e nunca as razões dos de baixo, das pessoas que trabalham e dependem de um salário digno para sobreviverem.

Contudo, em abril de 2011 o STF julga finalmente o mérito da tal famigerada ADI 4167 e considera constitucional a lei do piso. Observem que a decisão anterior, uma simples liminar, conferiu a todos os estados e municípios o imediato direito de descumprirem a Lei do Piso. Mas, a votação do mérito favorável à constitucionalidade da Lei Federal, que fora aprovada em 2008, não obrigava ainda, aos governos, a aplicarem a lei. Estranho caminho este, dos trâmites jurídicos no Brasil, não? Quando a decisão é boa para o governo, aplica-se imediatamente; quando é boa para os trabalhadores, espera-se pelo último dos últimos dos últimos prazos e recursos que não acabam mais. Diziam que era preciso aguardar a publicação do acórdão. São mais quatro meses de enrolação, até que o STF publicou o acórdão.

Respiramos aliviados e dissemos: finalmente! Agora teremos o piso nas nossas mãos. Vejam, ou melhor, revejam comigo: ele (o piso) tornara-se um mandamento constitucional em 1988; depois, fora o tal mandamento regulamentado pela Lei 11.738 no ano de 2008, ou seja, 20 anos depois; em seguida, uma nova pedra no caminho: a ADI 4167, que suspendera a aplicação da lei; mas, finalmente, pensávamos, o STF dera uma dentro ao rejeitar, no mérito, a tal ADI. Contudo, descobrimos: faltava publicar o acórdão, o que foi feito em agosto. A simples liminar em favor dos governos passou a valer imediatamente - lembram-se?; já a Lei Federal do Piso, aprovada pelo congresso, promulgada pelo presidente, considerada constitucional pelo STF, e já tendo sido publicado o acórdão... ainda não adquire efeito legal prático. Haja tolerância! Haja paciência! Dizem agora que é preciso aguardar o transitado em julgado do acórdão. Cada termo do juridiquês que inventam. Falta muita coisa mesmo, inclusive vergonha na cara de certos governantes, juízes, ministros, desembargadores, procuradores da justiça, legisladores, etc. Mas, temos em mãos uma lei com uma decisão do STF. Decisão com caráter vinculante, irrecorrível, a do STF, podendo apenas sofrer pequenas alterações, sem mexer na essência da decisão tomada. Mas, ainda assim, mesmo tendo tudo isso, não temos nada, porque o Ministério Público neste país não funciona contra os governos; a justiça emperra quando é preciso fazer aplicar a lei contra o governo; o legislativo se dobra à vontade do rei, apenas. Alguns destes órgãos, como os tribunais de justiça, parece que seus desembargadores fazem curso juntos, estudam as mesmas cartilhas - menos a Carta Maior - para aplicarem as mesmas medidas, sempre em favor dos governos, com os mesmos argumentos: greve dos professores, não pode, pois vai faltar merenda para os alunos, vai provocar prejuízos irreparáveis para estes alunos, etc. Ora, e os nossos prejuízos irreparáveis, quem vai pagá-los, senhores desembargadores?

Por isso, ante a uma lei que fora criada para valorizar a categoria dos educadores, mas que na prática tem sido motivo de desmotivação e desmantelamento da nossa carreira - ou seja, o oposto do que se propôs -, pipocaram greves por todo o país: em Santa Catarina, em Sergipe, no Rio de Janeiro, em Alagoas, no Maranhão, em Pernambuco, no Ceará, em Minas Gerais e em outros estados, além de dezenas de municípios. Greves que variam entre 30 e 112 dias, como a de Minas, talvez a maior até agora. Greves que já provocaram feridos gravemente, traumas psicológicos, práticas de tortura, chantagens, ameaças, demissões, destruição de sonhos e de perspectivas para a Educação pública.

Ora, convenhamos, é preciso que perguntemos: para que servem os poderes constituídos, se, quando se trata de beneficiar aos banqueiros, empreiteiros, agronegócio, e a si próprios, ou seja, à criação de mordomias e salários exorbitantes, eles são ágeis e muito eficientes. Mas, quando se trata de fazer cumprir uma lei que iniciaria um processo de valorização de uma carreira tão desprezada quanto a dos educadores, aí eles nos tratam com total omissão e descaso?

Colocam os batalhões de choque formados por policiais que ganham melhores salários do que os professores (piso de R$ 2.140 contra R$ 369,00 em Minas) - mas que são igualmente mal remunerados - para espancar, reprimir, lançar gás de pimenta, bomba de efeito imoral e tiros de borracha e cassetetes para cima de indefesos professores e professoras e demais educadores. Foi assim em Minas, no Rio, em Santa Catarina, e agora no Ceará, onde colegas nossos foram agredidos e feridos covardemente pelo Batalhão se Choque por lá. Somos tratados como bandidos, quando os verdadeiros bandidos andam à solta e estão protegidos, pela força militar, pelos poderes constituídos, pela mídia, que formam uma cumplicidade para se servirem e aos interesses dos de cima.

Mas, é claro que nós não concordamos com isso e não vamos aceitar isso eternamente. Por isso lutamos, por isso ficamos, aqui em Minas, 112 dias em heroica greve - e os colegas de outros estados ficaram o tempo que julgaram possível, com a nossa solidariedade e respeito. Não aceitamos essa realidade que se apresenta para nós como um circo, onde fazemos o papel de palhaços, embora os verdadeiros palhaços - no sentido pejorativo mesmo, não o do artista circense, digno e encantador que é - sejam aqueles que não cumprem as leis que foram criadas para atender aos interesses dos de baixo.

Até agora, a não aplicação da Lei do Piso, tanto em Minas, quanto em Santa Catarina, ou no Rio Grande do Sul, ou no Ceará, representa uma expressão da falência destes poderes constituídos, enquanto instrumentos supostamente a serviço da população. O STF - e demais tribunais de justiça regionais -, o Ministério Público Federal - e demais procuradorias regionais, com raras exceções -, o congresso nacional - e os legislativos regionais -, a presidência da República - e os poderes executivos regionais -, todos, em cumplicidade, reconhecem em palavras a legitimidade e o direito dos educadores ao piso salarial nacional, mas não asseguram a aplicação real desta lei a quem de direito.

Ou seja, em bom português, ou melhor, em bom juridiquês, temos aquilo a que a que chamam eufemística e cinicamente de "expectativa de direito". Traduzindo: você ganha, mas não leva. Embora seja uma lei federal, baseada na Carta Magna, que atravessou todo este percurso de areia movediça que descrevi, com lutas jurídicas, greves, e prazos e muitos anos de expectativa e de espera, para, no final das contas, não podermos nos apropriar daquilo a que nos pertence.

Ora, convenhamos, isso não é uma república, mas uma republiqueta de quinta categoria, com status de coisa séria, para inglês ver. Você tem o direito de greve, mas não pode exercê-lo - é ilegal fazer greve; você tem o direito de expressão, de opinião e do contraditório, mas não pode exercê-lo, pois a mídia é monopólio dos interesses privados de alguns poucos, dos de cima. Não fosse a Internet viveríamos uma total ditadura. Você tem o direito à Educação pública de qualidade, mas não tem acesso a ela, pois os educadores que são os responsáveis por esta Educação ganham mal, são tratados com descaso e como caso de polícia; você tem o direito ao piso salarial, mas só leva mesmo pisadas, de secretárias de governo conversando fiado nas rádios, de governador falando cinicamente que continuará aprimorando a nossa carreira, da presidenta dizendo que a Educação será prioridade em seu governo, enfim, deste universo cínico e hipócrita dos de cima, acostumados a reproduzirem o que eles são: o inverso daquilo que aparentam ser e dizer.

Que tenhamos serenidade e capacidade para nos unirmos, nós os de baixo, para acabar com isso e criar uma outra realidade, de respeito mútuo, de solidariedade e de conquistas reais, que atendam aos nossos interesses de classe.

Um forte abraço a todos e força na luta!

Toda a nossa solidariedade aos combativos colegas educadores em greve do CEARÁ!

Abaixo a repressão contra os educadores e demais assalariados-explorados!

Viva a luta dos educadores de Minas e do Brasil!

Fonte: Blog do Euler
Postado por: Nelson Professor

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